Fogo, mosteiro e aprendizados

Estou num ashrama que fica num pequeno vilarejo a 15 km da cidade de Nainital, estado de Uttarakhand, nos Himalayas, desde meados de março. No mosteiro vivem apenas três monjas e dois cachorros. Há 5 anos atrás, quando estive aqui pela primeira vez, o vilarejo contava apenas com simples residências, uma lojinha de variedades, quatro chalés para temporada e o ashrama. Tudo ao redor era floresta e cultivo. Hoje, surgiram mega blaster hotéis, acho que tem uns cinco ou seis.

Os Himalayas são montanhas relativamente novas, uns 50 milhões de anos apenas. É interessante ver, cavando o solo, que aquilo tudo de montanha é feito de camadas fininhas de rocha e areia. Cavando um pouco mais, é possível encontrar conchas marinhas!

Esse ano não nevou no estado de Uttarakhand. Estamos na primavera e as flores estão surgindo timidamente quando deveriam estar em sua máxima potência. Nos aproximamos da época das chuvas, mas desde que cheguei tivemos uma única boa chuva e no último mês nada. Durante esse período mais quente é comum que aconteçam queimadas na floresta. As folhas secas que caem das árvores se acumulam no solo da floresta e o fogo se espalha facilmente. As queimadas acontecem por simples excesso de calor e falta de chuva, pelo reflexo do sol numa garrafa de vidro jogada num canto, por alguém que foi limpar seu terreno com fogo e perdeu o controle, etc. Todo ano acontece e é considerado natural na região. Ajuda a renovar a floresta, pois com o excesso de folhas secas no solo as novas sementes não germinam, dizem os locais.

Mas esse ano não nevou, e não tem tido muita chuva. Então, o mesmo fogo de sempre aconteceu, mas a chuva não veio. Foram no mínimo 10 dias de floresta queimando ininterruptamente por todo o estado. Aqui no vilarejo o fogo chegou também. Como no Brasil, não tem guarda florestal suficiente, não tem bombeiro suficiente, não tem interesse político suficiente. No dia que o fogo chegou bem perto das casas do vilarejo, a comunidade se mobilizou para controlá-lo. A técnica é simples: uma galera se embrenha no meio da floresta na direção do fogo, levando em mãos arados ou galhos recém arrancados de árvores, varre-se as folhas secas do chão até criar uma “estrada limpa” entre o local de onde o fogo está vindo e o local onde não se quer que o fogo chegue. Essas folhas varridas vão sendo acumuladas em formas de linha, e então se coloca fogo nelas. Sim! Combate-se fogo, com fogo! Então, quando o fogo da floresta avança para essa região, as folhas secas já foram queimadas e isso evita que o fogo avance mais, ou pelo menos diminui a sua intensidade. Para controlar o fogo criado para combater o fogo, usa-se os galhos recém-tirados das árvores (galhos frescos e não secos) para abafar o fogo.

Assim que o fogo foi controlado aqui no vilarejo no dia mais crítico. A comunidade toda estava ali, atuando ou observando. Todos descemos para agitar o movimento de combate. Muita fumaça, olhos ardendo. Uma casa muito perto do fogaréu. De 14h até o meio da noite o trabalho continuou com mais ou menos intensidade. Por aqui as habitações e pessoas foram salvas. Não sabemos como os animais se resolveram nessa situação, o que sei é que os macacos têm vindo comer as flores do ashrama diariamente. Os cachorros ficam bravos.

Ontem choveu! Dá pra ver a alegria das monjas e das plantas ao redor. Uma delas dedicou sua prática de Japa à chuva outro dia. Outra ofereceu flores à Mãe Universal.

Quando não neva, não chove, a única nascente que alimenta o vilarejo falha. Quando chove, falta luz. Quando tem incêndio florestal, a luz é desligada. Quando neva ou chove demais, as estradas são bloqueadas e parte da montanha tende a desabar ou desaba. Observando com cuidado, qualquer ação tem reação. Qualquer causa, efeito. Essa é a lei da natureza, e tudo, tudo que conhecemos por aqui é natureza. Os sábios indianos descobriram essas leis a milhares de anos, e desenvolveram ciências de como ir além dessas leis, além da natureza, além de toda e qualquer limitação.

Aí voltamos lá pro início; estou aqui num mosteiro, num pequeno vilarejo nos Himalayas buscando entender as leis e as ferramentas para ir além delas.

Hari Om Tat Sat

 

Por Ana Poubel

Uttarakhand, India – 2016

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