(Baseado numa aula de Ana Poubel em 2023)
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Esta é a parte 3 deste artigo que teve origem numa conversa que tive com a turma do curso ‘Filosofia da Prática’ a convite da Patrícia Britto, professora de Yoga no Rio Grande do Norte. Se já não o fez, recomendo voltar lá nas partes 1 e 2 antes de seguir nesta aqui.
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Voltando aqui pro nosso modelo de reconhecimento-resolução de um problema. Podemos dizer que nessa longa investigação, em última instância, chegou-se a uma generalização do que seja a origem ou causa de Duḥkha, com o foco no aspecto subjetivo-experiencial, que recebeu o nome de Kleśas, ou impulsos individuais primários. Traduzidos muitas vezes por obstruções, os Kleśas nascem da necessidade inata de encontrar uma âncora para a nossa existência.
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Mas, antes de pensarmos sobre as âncoras, ou seja, suportes para o nosso existir, vou sugerir que se faça uma pergunta que pode soar inusitada (e nessa parte do texto, eu sugeriria que parasse a tela na pergunta – em cada uma delas – respondesse a pergunta, e só então rolasse a tela para o que vem a seguir):
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EU RECONHEÇO A MINHA PRÓPRIA EXISTÊNCIA?
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(pausa dramática)
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Sim, eu existo.
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Boa! E ainda que eu quisesse questionar a minha própria existência, quem seria esse que estaria a questionando?
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ONDE EU EXISTO?
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Se você respondeu um lugar geográfico, como Rio de Janeiro, tente chegar mais pertinho. Ou, se você sair do Rio de Janeiro deixará de existir?
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Eu existo aqui nesse corpo.
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QUANDO DIGO QUE EXISTO NESSE CORPO, QUEM/O QUÊ DIZ ISSO?
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Minha fala.
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QUEM/O QUÊ COMANDA AS CONCLUSÕES QUE ESSA FALA APRESENTA?
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Minha mente.
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Ok.
Então, em suma, onde você existe?
Eu existo nesse corpo, nesses sentidos e nessa mente.
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Beleza. Então, o sistema do yoga segue esse fio pensando assim: A questão é que esse processo de ancoramento da existência nessas limitações (corpo – sentidos – mente) foi realizado de forma inconsciente e automática. E assim se deu com todo mundo, não é exclusividade minha ou sua que a gente chegou aqui, hoje, sem se dar conta de que para que possamos reconhecer a nossa existência como existente, tem todo um processo de vínculos funcionais (e limitadores) sendo constituídos desde o nascimento.
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Agora, por que eu estou trazendo a palavra limitação?
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Cheguei à conclusão agora há pouco de que eu existo nesse corpo, nesses sentidos e nessa mente, certo?
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O corpo é limitado ou ilimitado?
Os sentidos são limitados ou ilimitados?
A mente é limitada ou ilimitada?
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Então, se eu existo através desse corpo, desses sentidos e dessa mente, e corpo, sentidos e mente são limitados; eu existo através dessas limitações, desses Upādhi (adjuntos limitantes).
Estamos juntos até aqui?
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Mas a frase que estamos usando para reconhecer e afirmar a nossa existência tem mais um pedacinho. Vamos repetir aqui:
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Eu existo nessa mente, nesses sentidos e nesse corpo.
Se eu tirar dessa frase tudo o que já identificamos como fator de limitação, o que sobra? Vamos ver?
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Eu existo nessa mente, nesses sentidos e nesse corpo.
Eu existo nessa mente e nesses sentidos.
Eu existo nessa mente.
Eu existo.
EU EXISTO!
EU EXISTO!
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Et voilá!
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Eliminando tudo que é limitante do que eu sou, chego a uma partícula irredutível e impossível de negar que é o fato de eu existir.
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E, então, chegamos a um ponto crucial que o yoga visa desvendar:
Quem sou eu, ou o que sou eu, para além dos upādhi, das limitações funcionais?
Mas essa pergunta já é parte da solução, que é o próximo tema. A gente ainda está na origem do problema, Hetu.
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Então, voltando aqui, se eu existo através desse corpo, desses sentidos e dessa mente, e corpo, sentidos e mente são limitados. E eu estou condicionada inconscientemente, habitualmente, a me reconhecer apenas dentro dessas limitações, essa é então a origem da primeira obstrução que gera sofrimento, Avidyā, ou a ignorância sobre a nossa própria natureza.
Então, pela perspectiva do yoga, o sofrimento humano, em última instância, tem origem na: ignorância sobre nossa natureza;
e dela nasce a construção de uma identidade a partir dessa concepção falha sobre nós;
e então surge o apego à rede de suporte que achamos que protege esta identidade construída;
e a aversão à rede de pessoas, circunstâncias e fatores que achamos que ameaça esta identidade construída;
que geram, finalmente, o medo de que toda essa rede, bem como a identidade construída não serão capazes de nos proteger do sofrimento e da morte (o que é verdadeiro do ponto de vista da identidade construída com base em uma concepção falha e limitada sobre nossa natureza; porém geralmente este medo se manifesta de forma inconsciente e não analítica).
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Ufa! Essa foi uma breve análise sobre a causa do sofrimento, o segundo item do modelo de reconhecimento-resolução de problemas trazido pelo sistema do Yoga.
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Pega fôlego e lê mais uma vez lá de cima, por gentileza.
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Imagem retirada do https://www.soulaventureira.com/post/monte-roraima-em-7dias






