Duḥkha: Compreendendo o Sofrimento na Perspectiva do Yoga – Parte 2

(Baseado numa aula de Ana Poubel em 2023)

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Esta é a parte 2 deste artigo que teve origem numa conversa que tive com a turma do curso ‘Filosofia da Prática’ a convite da Patrícia Britto, professora de Yoga no Rio Grande do Norte. Recomendo voltar lá na parte 1 antes de seguir nesta aqui.

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E qual é a origem do sofrimento humano?

Na literatura indiana, em geral são reconhecidas três principais origens do sofrimento: ādhibhautika duḥkha, ādhidaivika duḥkha e ādhyātmika duḥkha.

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ādhibhautika duḥkha

Literalmente ‘sofrimento originado dos bhūtas’; é o sofrimento causado por outros seres vivos, como por exemplo: ataques de animais, pressões sociais estruturais ou conflitos interpessoais.

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ādhidaivika duḥkha

Literalmente ‘sofrimento originado de forças superiores’; é causado por fenômenos considerados além do controle humano direto, como as forças naturais que se expressam nas tempestades, terremotos, secas ou no poder do tempo.

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ādhyātmika duḥkha

Literalmente ‘sofrimento originado a partir de si mesmo’, ou de dentro. É o sofrimento que tem origem no nosso próprio organismo, seja na forma de sofrimento físico ou mental. Doenças adquiridas por descuido com a saúde e higiene, por exemplo, são classificadas nesta categoria. A angústia mental causada por preocupação e ansiedade excessivas, apego e aversão também se enquadram neste grupo.

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Lembra que lá em cima (na parte 1 deste artigo) dissemos que a metodologia do Yoga, como Darśana que é, “é uma maneira de olhar para o mundo e para a nossa experiência nele, (…) que se propõe a entender a nossa experiência e o que dá suporte a ela”?
Então, na medida em que vamos estudando a nós mesmos, buscando perceber as camadas que compõem a nossa experiência, notamos que as duas primeiras causas que eu acabei de citar – ādhibhautika duḥkha e ādhidaivika duḥkha, ou seja, os sofrimentos causados por outros seres vivos e os causados por forças naturais – são, podemos para a finalidade dessa breve análise dizer, oriundas de elementos externos ao indivíduo, que numa esticada pra linguagem corrente poderíamos chamar de objetiva. Já na última causa, ādhyātmika duḥkha ou o sofrimento de origem interna, vemos presentes duas esferas: a esfera objetiva e a esfera subjetiva.
Segue acompanhando? Se precisar, pode reler, não temos pressa.

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E é aqui que mora um dos principais pontos onde o Yoga Darśana se debruça: para haver experiência é preciso que Aquele que vê, através do Instrumento da visa͂o, veja o Aquilo que é visto. Ou em termos mais técnicos: que a Luz da Consciência, através da Mente, entre em contato com o Objeto. Podemos tirar 2 princípios básicos daqui:

Experiência é sempre algo composto de mais de 1 ‘elemento’;

Experiência é algo que se dá somente em primeira pessoa.

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E dessa definição geral da experiência, podemos dizer que para que haja a experiência do sofrimento, ou do prazer, duas esferas precisam estar envolvidas: a esfera objetiva (esfera sugestiva) e a esfera subjetiva (esfera responsiva).

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Na psicologia do yoga, apesar de não se desconsiderar as condições objetivas – elas são sim importantes – se vai colocar uma ênfase especial em como cada um desses fenômenos age subjetivamente, ou seja, são experienciados pelo indivíduo. Como pode, por exemplo, que pessoas tenham reações diferentes à mesma situação; ou que a mesma pessoa tenha reações diferentes à mesma situação em diferentes momentos? Como que, para além da situação objetiva, o sofrimento subjetivo se instala; ou que diante de uma causa de sofrimento objetiva impactante, um determinado indivíduo não tenha uma experiência de sofrimento tão intensa? Essas são algumas das questões que vemos serem descascadas ao longo do estudo da psicologia do Yoga, e que precisam de uma dedicação para serem absorvidas como parte do nosso repertório de conhecimento experiencial para uso cotidiano.

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(continua na parte 3)

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