Como estudante, meu professor me orientou no sentido de me tornar cada vez mais independente no desenvolvimento e refinamento das minhas habilidades de prática pessoal, de modo que eu me tornasse cada vez menos dependente dele para definir se, quando, onde, o que e com que qualidade eu praticava.
Sempre respeitei esse aspecto do seu ensino individualizado, pois, assim como um pai com um filho, ele facilitava progressivamente minha aprendizagem. Isso me permitiu evoluir para uma prática autônoma, inteligente e consistente, adaptável às situações e, ao mesmo tempo, voltada para um desenvolvimento a longo prazo, inicialmente por meio do Āsana, mas indo muito além dele.
.
TKV Desikachar não ensinava coisas diferentes para pessoas diferentes.
Nem apenas ensinava a mesma coisa para pessoas diferentes.
Ele ensinava a mesma coisa de maneiras diferentes para pessoas diferentes.
O mesmo pode ser dito do ensino de T. Krishnamacharya.
Daí o contexto da frase Viniyoga do Yoga.
.
Assim como ocorre em qualquer arte na qual buscamos excelência, essa habilidade pessoal foi cultivada, principalmente, dentro do ambiente doméstico, com todas as suas nuances e variações de humor, que inevitavelmente influenciam, ou são influenciadas, por nossas motivações mais profundas, intenções atuais e realidades situacionais.
.
O Yoga Sādhana diz respeito ao que cresce a partir da
prática solitária no interior do lar,
e não da prática coletiva no exterior da sala de aula.
.
Ele me conduziu, portanto, a uma prática auto-inspirada e auto-motivada, sem depender de um ambiente neutro ou favorável para influenciar meu estado de espírito ou agradar meus sentidos.
É claro que incluir esses elementos pode ser um fruto da prática, criando um ambiente de suporte, mas a verdadeira mensagem aqui era que o ‘templo’ que precisamos adentrar, encontra-se, em última instância, no coração, e não em uma sala ou edifício externo.
Desde o início do nosso trabalho juntos, Desikachar minimizou a importância da presença física do professor, de sua voz ou imagem. Ao olhar para trás, percebo que ele tomou medidas para garantir que, do ponto de vista do estudante, a presença do professor se tornasse, no final das contas, mais uma distração do que um reforço da aura da prática pessoal, do foco, da energia ou da resistência.
Décadas depois, posso realmente apreciar essa estratégia, especialmente considerando a tendência moderna de buscar não apenas professores presenciais, mas também a ‘presença’ de um professor ou companheiro virtual, por meio das inúmeras plataformas online que nos bombardeiam—Youtube, Zoom, Skype, streaming de vídeo, aplicativos móveis, entre outros—, todos se apresentando como guias ou facilitadores para motivar, estimular ou confortar o estudante.
É claro que esses recursos podem ser úteis como suporte ocasional ou para iniciantes, mas devem ser nossa primeira escolha? Se, sem eles, não conseguimos sequer nos colocar sobre o tapete e, uma vez nele, não conseguimos nos aprofundar na prática, talvez seja necessário reconsiderar. Há também uma outra questão: o uso constante de estímulos externos, por melhores que sejam, mantém nosso vínculo com o exterior, em vez de nos levar a cruzar completamente o limiar em direção à inteligência inerente ao nosso próprio Nimitta, nosso ‘cultivador’ interno.
Essa jornada em direção a Svatantra, ou independência na prática pessoal, também traz consigo um empoderamento crescente no que diz respeito à responsabilidade de determinar o horário da prática—manhã ou noite—, sua duração, a escolha entre tapete ou almofada, o tom, a intensidade, o estilo e a proporção entre Kriyā, Āsana, Mudrā, Bandha, Prāṇāyāma, Pratyāhāra, Adhyayanam e Dhyānam.
.
A prática de Yoga evolui de uma experiência externa,
como a de um restaurante com comida pronta,
para uma experiência interna,
como a de preparar a própria refeição em casa, passando pelas etapas:
- Dependência de um professor externo e de um local apropriado.
- Interdependência, na qual começamos a praticar em casa,
mas ainda contamos com apoio externo. - Independência, quando refinamos a habilidade
de nos nutrirmos, principalmente, da prática pessoal.
Isso é Svatantra.
.
Essa independência também se desenvolveu através dos cinco campos do Pañca Maya, começando pelo aspecto físico e abraçando, gradualmente, os aspectos mais sutis. A prática evoluiu de Kriyā e Āsana para a inclusão de Mudrā e Prāṇāyāma, e depois avançou em direção ao Adhyayanam e ao Dhyānam.
Compreender melhor a relação entre as diferentes dimensões das ferramentas da prática também facilitou a gestão do espaço e do tempo, oferecendo oportunidades para evitar ficar ‘preso ao tapete’, por assim dizer. Em outras palavras, evitou que o Āsana se tornasse sinônimo de Yoga ou que os frutos da prática se limitassem ao condicionamento físico, alívio do estresse ou a simples busca por sensações prazerosas nos quadris, no coração ou na mente.
.
O coração do Yoga está em cultivar
uma estratégia de conexão,
e não apenas uma estratégia de enfrentamento.
.
Assim, além desses objetivos de curto prazo, uma prática abrangente de Yoga pode apoiar um processo ao longo da vida, ajudando-nos a lidar com questões mais profundas e complexas, como o impacto da experiência de Duḥkha, ou sofrimento, sobre nossa psique e seu efeito sobre nossa perspectiva individualizada em relação à identidade, ao desejo, à aversão e ao medo.
Ao oferecer estabilidade na conscientização inicial desse impacto, a prática de Yoga pode se tornar uma ferramenta para compreender a natureza e a causa de Duḥkha, no espírito do Catur Vyūham, ou as quatro nobres verdades de Patañjali, tão eloquentemente delineadas no Yoga Sūtra e em seu comentário complementar.
.
Duḥkha é o ponto de partida para a
jornada do Yoga, que passa por quatro estágios:
do sintoma, como o sofrimento (Duḥkha);
à causa, como a ilusão (Avidyā);
ao objetivo, como a liberdade (Kaivalya);
por meio das ferramentas, como o caminho óctuplo (Aṣṭāṅga);
com o método, como o discernimento (Viveka).
Esse antigo processo quádruplo está no coração dos
ensinamentos do Yoga, do Āyurveda e do Budismo.
.
Ao olhar para trás, enquanto escrevo estas palavras, percebo que ainda me impressiono com a forma tão inteligente como fui conduzido por esse processo de desenvolvimento de uma prática pessoal de Yoga, a partir da perspectiva de Desikachar e Krishnamacharya.
.
.
Artigo de Paul Harvey, professor dos mantenedores do Shodashi Yoga, publicado originalmente em 26 de setembro de 2021 no site yogastudies.org. Paul foi aluno de Desikachar, de um pra um, por mais de 25 anos.