Como os ensinamentos de Krishnamacharya e Desikachar aplicam o Yoga ao indivíduo?
Fundamentalmente, o ponto de partida determina a direção…
Ao explorar essa premissa, sugiro a leitura de um post de 2018 que explora o modelo de ensino cronológico delineado no artigo “Quais são os conceitos de Sṛṣṭi Krama, Sthiti Krama e Anta Krama”(ver artigo traduzido aqui). Especialmente considerando que esses importantes princípios dos ensinamentos formativos de Krishnamacharya, nos últimos anos de seu trabalho em Mysore e nos primeiros anos de sua atuação em Madras, também influenciaram e definiram os estilos de seus alunos, que por sua vez influenciaram o ensino de Yoga no Ocidente.
No entanto, se aplicarmos esse modelo cronológico dentro da modalidade genérica inerente a grande parte do ensino em aulas coletivas no Ocidente nas últimas décadas, já enfrentamos um problema, pois a maioria das pessoas que chegam ao Yoga já está em algum ponto próximo da meia-idade, ou seja, no estágio de Sthiti Krama. Isso também pode significar que, apesar de buscarem algo como preparo físico ou desafios mentais, elas não estão necessariamente vindo de um ponto de partida do estágio de Sṛṣṭi, ou crescimento.
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“Este é o estágio (Sṛṣṭi Krama) para desenvolver o corpo e suas habilidades associadas, como força, coordenação e mobilidade, por meio da prática de muitos e muitos Āsanas. Além disso, obviamente, com pessoas muito jovens, seu interesse e atenção serão mais engajados ao usar uma ampla gama de Āsanas desafiadores e ao utilizar sequências de Āsanas coreografadas de forma progressiva, envolvendo habilidades proprioceptivas, como saltos, e técnicas de habilidades focais como o olhar num ponto externo, ou etapas de aprendizado de movimento baseados em contagem numérica.”
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Além disso, atualmente, a tendência ainda mais comum é buscar o Yoga para a manutenção do sistema ou mesmo reparar um desgaste. Como ir ao mecânico, quando o corpo está ficando um pouco desajustado e precisa ser pelo menos revisado ou mesmo consertado. Aqui, pode-se até estender essa analogia ao motorista, assim como ao carro.
Assim, desde o início, nos deparamos com os efeitos de distúrbios cumulativos que se manifestam como, por exemplo, estresse ou dores nas costas. É provável que também haja dificuldades psicossomáticas ou psicológicas associadas, e podemos sentir a necessidade de suporte externo, buscando um “refresh”, “reboot” ou “reset” em nossos estilos de vida ocupados.
Além disso, o corpo e a mente podem não ter sido desenvolvidos em termos de Sṛṣṭi e podem estar deteriorando-se devido aos efeitos de hábitos prejudiciais, ou uma dieta inadequada, ou, talvez, por não terem crescido de forma saudável.
Assim, os estudantes de Yoga no Ocidente enfrentam dois problemas: a idade em que chegam ao Yoga e a razão pela qual procuram o Yoga, ou seja, o que estou buscando no Yoga? Então, as pessoas estão vindo ao Yoga em busca de um suporte para o estilo de vida, ou manutenção, ou mesmo uma recuperação, mas muitas vezes lhes são oferecidas práticas que talvez sejam mais adequadas para alguém jovem, relativamente apto e saudável, com muito mais tempo e energia disponíveis.
Portanto, a pergunta para nós nessa situação é: por onde devemos começar com pessoas em situações como essas? É aqui que outro modelo pode ser útil, aquele que diz que o Yoga precisa ser apresentado de acordo com o ponto de partida de cada pessoa. Esse modelo tem três aspectos ou estágios: Śikṣaṇa Krama, Rakṣaṇa Krama e Cikitsā Krama:
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“O professor decide qual dos Tri Krama é o melhor para o aluno: Śikṣaṇa Krama requer um conhecimento perfeito para transmitir uma prática rigorosa, sem concessões, como deve ser no canto védico, por exemplo. Rakṣaṇa Krama visa proteção e preservação; promove continuidade em qualquer nível, como saúde, habilidades, conhecimento, etc. Cikitsā Krama busca adaptação, cura, recuperação…”
– TKV Desikachar 1998
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- Śikṣaṇa Krama
Se não houver obstáculos, limitações ou restrições, seja a pessoa de 24, 34 ou 44 anos, a prática pode ser ensinada de maneira Śikṣaṇa.
Você pode ensinar os Āsanas em suas formas mais intensas, com todas as nuances de Bandha, olhar focal e assim por diante. No entanto, o praticante deve ter energia inata suficiente. Esta não é uma técnica para estimular energia baixa, então devemos ser muito cuidadosos. - Rakṣaṇa Krama
O segundo aspecto desse modelo é Rakṣaṇa, praticar Yoga para nos apoiar ou proteger. Nosso objetivo é mais sustentar nossa saúde e recursos inatos do que ir, digamos, aos extremos dos Āsanas. Devemos ter cuidado para que a própria prática não se torne outra fonte de estresse. Aqui, considerações fisiológicas e psicológicas, e tempo disponível limitado são fatores, então a prática é desenvolvida de acordo.
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“A saúde preventiva é uma autodisciplina e apenas uma minoria busca o Yoga como medida preventiva para evitar doenças. A maioria das pessoas parece buscar o Yoga apenas para terapia. Mas deve-se lembrar que a essência do Yoga é a disciplina. Essencialmente, é a disciplina do corpo, a disciplina da mente e também a disciplina do espírito. Mas a prevenção não interessa às pessoas, mesmo que seja de importância óbvia. As pessoas só se interessam quando estão com problemas. Então agora precisamos desenvolver estratégias usando os princípios salientes da prática de Yoga, para que possa ser adaptada a pessoas com problemas específicos.”
– TKV Desikachar 1998
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- Cikitsā Krama
O terceiro aspecto é aquele em que a conta interna e externa de saúde de alguém está bem no vermelho, completamente deficitária (Cikitsā). Como sabemos, se você está no vermelho, sua prioridade é se livrar do déficit. É importante que, ao lidarmos com as pessoas, descubramos qual dos três é, inicialmente, mais importante e relevante para elas, e entendamos sua situação atual e a potencial.
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“Yoga Cikitsā significa tratar uma pessoa em um problema. Ao invés de tratar um problema em uma pessoa.”
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Para resumir:
Se alguém chega com energia inata, como se tivesse dinheiro no banco, podendo gastá-lo, investi-lo e desenvolvê-lo. Isso é Śikṣaṇa Krama.
Se alguém chega sem estar deficitário, mas sem dinheiro extra, queremos garantir que mantenha o que tem e não fique no vermelho no futuro. Isso é Rakṣaṇa Krama.
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“Você aplica terapias através do Cikitsā, mas não proteção ou preservação. Este é o papel de Rakṣaṇa.”
– TKV Desikachar 1983
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Se alguém chega completamente deficitário em termos de energia, ou saúde e bem-estar, a prioridade deve ser reduzir o déficit. Isso é Cikitsā Krama.
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“As pessoas vêm ao Yoga por muitas razões, mas pode-se dividir em dois grupos.
- Elas vêm para aprender ou estudar (Śikṣaṇa).
- Elas vêm em busca de suporte ao invés de estudar (Rakṣaṇa).
Assim, o Yoga que oferecemos à pessoa que está investigando não é o Yoga que oferecemos à pessoa que busca proteção. Portanto, pode-se dar o conselho errado à pessoa certa e vice-versa. Isso pode fazer mais mal do que se a pessoa não tivesse vindo. A intenção deve estar correta, assim como a execução.”
– TKV Desikachar 1978
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Esses são alguns aspectos da abordagem de ensino de Krishnamacharya para estudantes de diferentes idades, estágios, interesses e níveis de energia, em torno do conceito de Viniyoga do Yoga e sua arte de aprender a aplicar a prática de acordo com a idade, os estágios da vida, o interesse pessoal e o potencial futuro do aluno.
Artigo de Paul Harvey, professor dos mantenedores do Shodashi Yoga, postado originalmente no site yogastudies.org.
Na foto que tiramos em Varanasi, Índia, em 2010, crianças e adolescentes de uma escola tradicional de Sânscrito e Escrituras Védicas, praticam Āsanas na beira do Rio Ganges como parte de sua rotina diária.